Para simular o áudio do mundo real, a app waveOut usa áudio espacial (áudio 3D), permitindo que os utilizadores não precisem de aprender uma nova competência, dado que sabem naturalmente como compreender a direção de um som.
Desenvolvida pela startup Dreamwaves, a app foi pensada para pessoas com deficiência visual. Durante o seu desenvolvimento, a tecnológica apercebeu-se de que a waveOut também pode ser utilizada por idosos, ciclistas (que necessitam de olhar para a estrada e não para o ecrã) e turistas, que podem percorrer um percurso definido e ouvir conteúdo com som 3D sobre a cidade ou o espaço que estejam a visitar. A waveOut está traduzida em Inglês, Alemão e Português e encontra-se disponível na App Store e na Google Play Store. Falámos com o CEO desta startup austríaca, sedeada em Viena, o português Hugo Furtado, para explicar como funciona esta ferramenta e para conhecer a importância de vencer a edição do ano passado do Altice International Innovation Award, na categoria ‘Inclui by Fundação Altice Portugal’.
Este sistema exige o mínimo de atenção, permitindo que os utilizadores se mantenham sintonizados com o seu ambiente, minimizando assim a confusão e potenciais acidentes
Hugo Furtado, CEO da Dreamwaves
Como funciona a tecnologia de áudio espacial na app waveOut?
Quando um objeto emite um som no mundo real, é fácil saber onde se encontra esse objeto. É assim que encontramos o nosso telemóvel quando está a tocar. Isto acontece porque as ondas sonoras mudam à medida que atravessam a nossa cabeça, o tronco e, especialmente, os ouvidos externos. Estas alterações (filtragem), modeladas pelas funções de transferência relacionadas com a cabeça (“head-related transfer functions”- HRTFs), dependem da direção. Por conseguinte, o som que chega a cada um dos dois ouvidos é ligeiramente diferente, dependendo da direção. Chega em momentos ligeiramente diferentes e com filtragem diferente. No mundo virtual, utilizamos o áudio virtual binaural (ou simplesmente áudio espacial) para simular o som espacial real. Ao usar auscultadores, o áudio virtual binaural reproduz em cada ouvido o mesmo som que seria ouvido com um objeto do mundo real. Cria a ilusão de que um objeto virtual existe realmente. Os utilizadores podem seguir um som virtual tão intuitivamente como seguiriam um som real.
Quais são as principais características que tornam a waveOut única em comparação com outras apps de navegação?
A nossa tecnologia inovadora oferece uma experiência de navegação áudio 3D, aproveitando as nossas capacidades auditivas direcionais inatas para orientação não visual. Este sistema exige o mínimo de atenção, permitindo que os utilizadores se mantenham sintonizados com o seu ambiente, minimizando assim a confusão e potenciais acidentes. Os utilizadores navegam sem esforço, como se estivessem a seguir a voz de um amigo. Além disso, a nossa tecnologia de localização avançada garante uma orientação precisa e atempada, otimizando o tempo e a energia dos utilizadores. Mesmo sem o telemóvel desligado ou sem os dados da câmara processados, podemos guiar os utilizadores com precisão até ao seu destino.
Quanto tempo levou para desenvolver a waveOut desde a ideia inicial até o lançamento?
Desde a ideia inicial até ao primeiro lançamento passaram cerca de três anos. Mas no início ainda não tínhamos equipa, estávamos noutros trabalhos a tempo inteiro. E depois em 2020 veio a Covid-19. Podemos dizer que o desenvolvimento da app demorou cerca de um ano.
Quais são as vantagens de usar áudio espacial na navegação?
A grande vantagem é o facto de perceber a direção que se deve seguir de forma muito intuitiva. Com instruções de áudio, a pessoa tem sempre de pensar, “esquerda, direita, 100 metros”. Faz sempre falta um certo esforço mental. Com o áudio espacial não. A pessoa ouve e imediatamente, a reação é orientar-se na direção de onde vem o som. Mais uma vez, por isso é um “método” tão usado para encontrar um telefone que não conseguimos encontrar.
Qual foi a inspiração por trás do desenvolvimento da app waveOut?
A motivação veio de duas paixões que tenho. A primeira é a realidade aumentada. Fiz o meu doutoramento em realidade aumentada visual que ajudava cirurgiões a efetuar cirurgia cardíaca com o peito fechado. Tornámos uma tarefa muito difícil numa tarefa muito fácil, permitindo que os cirurgiões vissem algo dentro do corpo que normalmente não conseguiam ver. Para mim, isto foi uma revelação sobre como se podem utilizar conteúdos digitais incorporados no mundo real para simplificar tarefas. A minha outra paixão é o som. Adoro música. Comecei a fazer design de som para fotos e filmes, a gravar bandas e, a dada altura, pensei, “e que tal realidade aumentada áudio?”. Era a combinação perfeita das duas paixões. Esta foi a motivação para começar a descobrir a tecnologia. E, como não gosto de fazer coisas apenas porque sim, comecei a pensar em casos práticos. Surgiu a ideia de utilizar a realidade aumentada áudio para navegação e, a partir daí, a aplicação a pessoas cegas pareceu-me natural.
Quais são os principais marcos do percurso da Dreamwaves?
O primeiro passo de todos foi criar um protótipo para testar se as pessoas conseguiam seguir um caminho de olhos vendados apenas usando som 3D. Uma vez verificado, começámos a tentar criar o negócio. Participámos numa incubadora, conseguimos o nosso primeiro financiamento que nos permitiu fazer a aplicação, uma patente e construir uma equipa para criar o MVP da app de navegação completa. Depois começámos a testar com utilizadores, a refinar o design e acabámos por perceber que tínhamos uma tecnologia interessante para outras empresas e veio a primeira receita. Com isso, mudámos o nosso modelo de negócio e começámos a ter outros clientes empresariais e parceiros, e é o que estamos a fazer hoje.
Que desafios enfrentaram durante o processo de desenvolvimento da app?
Temos desafios tecnológicos, desafios de design e desafios de mercado. Nos tecnológicos, estamos a desenvolver o nosso próprio áudio espacial e a nossa própria tecnologia de localização, o que, por si só, é um grande desafio. Conceber uma aplicação para pessoas com deficiência visual requer muitos testes de utilização e um cuidado extra para que a interface do utilizador seja bem adaptada. Dedicámos muito tempo e esforço neste aspeto. Em relação aos desafios de mercado, enquanto startup, é muito difícil criar um caso de negócio em torno do que é visto como um mercado de nicho. Todas as startups no domínio da acessibilidade que conheço têm este problema. Tem sido um grande desafio (mas, no final, muito gratificante) conceber o caso de negócio tendo em conta muitos outros grupos de utilizadores.
A waveOut está disponível apenas para dispositivos móveis ou também pode ser usada em outros tipos de dispositivos?
Neste momento, está apenas disponível para dispositivos móveis. Mas já fizemos integração noutras plataformas de hardware e no futuro planeamos integrar com navegação em motas e automóveis.
Há planos para expandir os recursos da app waveOut no futuro? Se sim, quais são eles?
Estamos neste momento com uma ronda de fundraising aberta e uma vez fechada, pensamos expandir a equipa técnica, bem como a comercial. Planeamos contratar mais três pessoas. Em relação ao desenvolvimento de novas capacidades da app, neste momento estamos a expandir a waveOut também para waveIn, ou seja, estamos a trabalhar em navegação dentro de espaços interiores (indoor). Estamos a fazer um projeto com os transportes públicos de Viena para guiar pessoas com deficiência visual nas estações de metro. Pensamos depois expandir para qualquer espaço interior (museus, restaurantes, lojas, hotéis) que deseje ou necessite que o seu espaço seja acessível para estes clientes ou visitantes. No futuro, tanto a waveOut como a waveIn, terão a capacidade de reconhecer obstáculos e darão ao utilizador a capacidade de incluir a sua própria informação no mapa – por exemplo, anotar onde há uma obra ou rua fechada.
Pode falar-nos sobre o crescimento da base de utilizadores da waveOut nos últimos anos? Quais foram os principais impulsionadores desse crescimento?
Nestes últimos anos, crescemos de uns poucos utilizadores mensais para algumas centenas. O crescimento para este tipo de app é lento, porque há muita competição no espaço de apps de navegação. Mas o marketing digital, a presença em eventos internacionais e o aumento do conhecimento e atenção à realidade aumentada e áudio espacial estão a fazer com que a base de utilizadores cresça bastante mais rápido.
De que forma estão a colaborar com outras empresas ou setores para impulsionar o seu crescimento?
Neste momento, estamos a colaborar sobretudo com municípios. Estes pretendem ajudar os seus cidadãos o máximo possível e são um veículo excelente para chegar aos utilizadores. Colaboramos também muito com associações de pessoas com deficiência visual. Uma área em que queremos começar é a das entregas em bicicleta, onde podemos ajudar os estafetas a serem mais rápidos e a viajarem com mais segurança.
]O melhor feedback que já recebemos foi de um utilizador 100% invisual que nos disse que utilizar a app era um pouco como ver.
Hugo Furtado, CEO da Dreamwaves
Qual é a visão futura da Dreamwaves e quais são os seus planos para continuar a crescer?
A visão da Dreamwaves é tornar-se na referência para a navegação. Acreditamos que no futuro a navegação será não visual, para que a nossa atenção possa estar noutro sítio e não sempre a olhar para um ecrã. Mais ainda, acreditamos que uma grande parte da interação com conteúdos digitais será feita com interfaces auditivas/de voz. A Dreamwaves vai ter um papel fundamental nessa transformação.
Tem planos para expandir a sua presença a outros países? Se sim, quais são os mercados-alvo?
Neste momento, temos clientes na Áustria, Portugal e Estados Unidos. No médio prazo, queremos reforçar a presença neste último e entrar no Reino Unido e em Espanha.
Quais foram os feedbacks mais positivos ou surpreendentes que receberam de utilizadores?
O melhor feedback que já recebemos foi de um utilizador 100% invisual que nos disse que utilizar a app era um pouco como ver. Só perdeu a visão quando era jovem e disse que o facto de se poder ouvir sempre, a qualquer momento, o sítio exato para onde se tem que ir, era um pouco como a vantagem que têm as pessoas que podem ver, e que têm uma referência visual para seguir.
Como decidiu concorrer ao prémio Altice International Innovation Award?
Soube do prémio através de um contacto e pareceu-me perfeito para nós, visto que havia uma categoria específica de inclusão.
Ter recebido o prémio ajudou-nos a construir uma melhor reputação e confiança, o que é extremamente importante.
Hugo Furtado, CEO da Dreamwaves
Qual foi a importância de ser reconhecido por este prémio?
Foi bastante importante. O Altice International Innovation Award é cada vez mais reconhecido (este ano já vi menções em vários meios que recebo) e é uma boa validação de que o que estamos a fazer tem o significado e impacto que esperamos.
Que visibilidade trouxe o prémio à waveOut?
O prémio ajudou bastante à nossa visibilidade em Portugal. Embora a nossa empresa tenha a sede na Áustria, temos duas pessoas em Portugal e interagimos bastante com utilizadores e instituições em Portugal.
O que mudou com este prémio?
Ter recebido o prémio ajudou-nos a construir uma melhor reputação e confiança, o que é extremamente importante.
Que conselhos deixaria aos concorrentes?
Acima de tudo uma boa preparação. E também tentar garantir que quem faz o pitch goste e esteja confortável com este tipo de eventos. É muito melhor quando é divertido também!